segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Novas diretrizes contra a cárie


Isaac Ribeiro
Repórter

Toda criança nascida a partir de 2026 deverá ser livre de cárie durante toda a sua vida. Pode até parecer uma previsão utópica para alguns países como o nosso, com tanta coisa ainda a ser feita na área de saúde, mas essa é uma das diretrizes de uma campanha mundial, seguindo as metas da Organização Mundial de Saúde (OMS), lançada durante o 30º Congresso Internacional de Odontologia de São Paulo, realizado no final de janeiro.
Júnior SantosConsiderada a doença crônica mais comum do mundo, cárie afeta mais de cinco bilhões de pessoas, ou seja, 80% da população mundialConsiderada a doença crônica mais comum do mundo, cárie afeta mais de cinco bilhões de pessoas, ou seja, 80% da população mundial

Junte a isso mais dois objetivos: em 2020, 90% das faculdades e associações odontológicas brasileiras deverão ter incluído e promovido a "nova" abordagem da cárie para melhorar seu manejo e prevenção E em 2020, os membros regionais da Aliança para um Futuro Livre de Cárie, lançada durante o Ciosp, deverão estar integrados, atuando localmente na implantação da prevenção, manejo e monitoramento adequados à cárie.

Considerada a doença crônica mais comum do mundo, a cárie afeta cinco bilhões de pessoas no mundo, ou seja, cerca de 80% da população, de acordo com o Relatório de Saúde Oral (2003), da OMS. Já dados do Ministério da Saúde apontam que 88% dos brasileiros sofrem com o problema.

Aliás, problema esse que pode ser evitado, caso haja mais atenção por parte dos governos; afinal, trata-se de um caso de saúde pública. E mobilizar ainda mais os profissionais envolvidos no combate à doença é um dos principais objetivos da Aliança. Mais informações: www.AliancaParaUmFuturoLivreDeCarie.org

Problema sério

Escovar os dentes sempre depois de cada refeição e antes de dormir é algo que aprendemos desde criança. Mas cumprir isso à risca, nem todos cumprem. A cárie é resultado de um processo envolvendo perda e substituição de sais minerais do dente, ao longos dos anos, como uma espécie de resposta aos ataques constantes dos ácidos diários resultantes da ingestão de alimentos, açúcares e carboidratos presentes em nossa alimentação. É esse processo que danifica a estrutura rígida do dente e causa as lesões.

O que uma grande parcela da população não sabe é que a cárie pode causar outras doenças, principalmente as sistêmicas, caso mecanismos biológicos, como a gengivite e a periodontite, entrem na circulação.

Entre as enfermidades sistêmicas associadas à cárie estão doença cardíaca coronariana, doença arterial periférica, acidente vascular cerebral isquêmico (AVC) e o diabetes, além de asma. Então, é bom sempre lembrar da máxima: a saúde começa pela boca.

Natal também registra queda no índice de cáries

A incidência de dentes cariados também diminuiu em Natal, com relação a 2003, de acordo com os números da pesquisa SBBrasil 2010, apresentados no final do ano passado; principalmente na  faixa etária até 12 anos, onde o índice era de 68,9% e agora é de 57,6%. Por outro lado, 33% dos entrevistados nessa idade nunca foram ao dentista.

Com relação ao índice CPO (soma dos dentes cariados, perdidos ou obturados), a média registrada foi de 2,1; valor 25% menor do que em 2003 (2,8).  A tendência de declínio da cárie e o maior acesso aos serviços odontológicos também foram registrados entre adolescentes (15 a 19 anos), sendo ainda mais marcante entre adultos.

A pesquisa foi realizada em Natal no ano passado e ouviu 892 pessoas de ambos os sexos, na faixa etária dos cinco aos 74 anos, em todas as regiões do município.

Para o presidente do Conselho Regional de Odontologia do Rio Grande do Norte, Eimar Lopes de Oliveira, a situação do Rio Grande do Norte não foge muito à realidade brasileira, ressaltando a queda de 11% nos últimos sete anos.  

"Esse dado tem uma importância fundamental na avaliação da saúde bucal como um todo, mostrando que esse é realmente o caminho certo na busca constante pela melhoria da saúde geral da população. É hora dos gestores públicos terem um compromisso mais eficaz com esse setor da sociedade", avalia  presidente do CRO/RN.

Eimar Lopes destaca ainda o fato de o Brasil possuir o maior número de profissionais dentistas do mundo e a necessidade de ampliação das políticas públicas de saúde bucal. 

Menos casos

Cerca de 90% dos pacientes atendidos pela dentista clínica Emília Beatriz das Neves Silva em seu consultório têm problemas  relacionados com cárie, seja em dentes hígidos ou em restaurações infiltradas. Os casos variam de acordo com a faixa etária, segundo ela. Mas essa incidência vem diminuindo em todas as idades, o que a faz concordar com os resultados da Pesquisa Nacional de Saúde Bucal.

"Apesar de perceber que a maioria dos pacientes vem ao consultório por causa de cárie, houve um pequeno declínio. Mas ainda é preciso trabalhar muito, principalmente na parte educativa", comenta Emília Beatriz, que também atende na rede pública de saúde.

Nessa área, ela percebe estar havendo uma melhora significativa no acesso ao atendimento odontológico, principalmente no Programa Saúde da Família (PSF), com suas equipes de saúde bucal. De acordo com o balanço de ações 2002-2010 do programa Brasil Sorridente, divulgado pelo Ministério da Saúde, o número de equipes nessa área cresceu cerca de cinco vezes, passando de 4.261 para 20.300. As equipes estão em 85% dos municípios brasileiros. Em 2002, estavam em 41%. Também cresceu o número de dentistas trabalhando no SUS, passando de 40.205 para 59.258 no período.

"Antes, no setor público, o tratamento era só mutilar, arrancar o dente. Hoje, procura-se conservar, fazer restauração. Antigamente, também era muito difícil conseguir marcar uma consulta. Hoje, o dentista do PSF vai na casa do paciente. Já fomos conhecidos como um país de desdentados. Hoje, a expectativa é o Brasil ser um país sem cárie. Pelo menos é o que se busca", diz a dentista.

Cárie e outras doenças

A cárie além de causar transtornos de mastigação, dor e baixas na autoestima, também pode estar relacionada com outras patologias. De acordo com a odontóloga e professora universitária Cláudia Tavares Machado, essa relação já vem sendo demonstrada na literatura científica. "Há associações com diabetes, doenças osseoarticulares, pneumonia aspirativa, parto prematuro e algum tipo de cardiopatia, por exemplo."

Ela conta que, recentemente, um trabalho de pesquisa  coordenado pela professora doutora Delane Rego, realizado com crianças, verificou uma associação significativa entre cardiopatia e quantitativo de dentes cariados. "Esse estudo foi encaminhado para publicação e deve juntar-se a outros pioneiros nesta área, na busca do estabelecimento desta relação, inclusive com doenças gastrointestinais."

Bate-papo

Claúdia Machado » odontóloga e professora

De acordo com números divulgados no 30º Congresso Internacional de Odontologia de São Paulo, a proporção de crianças com 12 anos livres de cárie no Brasil aumentou de 31% para 44% nos últimos sete anos. Na sua opinião, o que causou a diminuição de cárie nessa faixa da população?

Uma mudança significativa no modelo de atenção à saúde bucal. A Odontologia tem evoluído muito e com isto se difunde com mais determinação, formas de atuar mais voltadas para a prevenção e a promoção da saúde. Disseminação do uso de dentifrícios fluoretados para todas as camadas da sociedade, principalmente as pessoas beneficiadas através das ações do "Brasil Sorridente" que é uma política Nacional de Saúde Bucal de forte acesso a ações preventivas e educacionais. Aumento dos municípios com água fluoretada, principalmente nas regiões sul e sudeste, onde a queda nos índices de cárie também são mais acentuadas. Difusão das ações da Estratégia Saúde da Família levando as ações de saúde mais perto da população.

Apesar da diminuição da incidência de cárie em praticamente todas as faixas etárias, 88% da população brasileira sofre com o problema. A que se deve isso?

Os maiores índices de doença bucal afetam com mais prejuízos os adultos e os idosos em virtude destas pessoas não terem vivenciado as oportunidades citadas anteriormente. Já no mercado de trabalho, existe dificuldade para acesso a serviços odontológicos, já que as oportunidades disponíveis para receber cuidados preventivos ou curativos são mais escassas.

O brasileiro tem consciência da importância de se ter a saúde bucal em dia?
A nossa percepção é a de que esta tomada de consciência ainda é dificultada pela condição socioeconômica precária da maioria da população brasileira, que não dispõe de muito acesso a educação e a informação. Outra influência, é que nem sempre a saúde bucal é vinculada com a saúde geral, sendo muitas vezes deixada a parte, devido outras necessidades mais urgentes, como por exemplo, preocupações com a segurança. Podemos chamar a atenção também para a dificuldade de acesso aos serviços e ações de saúde bucal, onde a população deixa de ser informada e assim prejudica a tomada de consciência.

Quais impactos gerados pela cárie não só na saúde, mas também do ponto de vista social e econômico?

O custo socioeconômico e psicológico das doenças bucais são altos. Adoecer é sempre uma situação de impacto para o doente, a família e a sociedade em geral. Ao avançar a doença, aumentam-se os custos com os tratamentos cada vez mais complexos e os prejuízos com as sequelas. No caso da saúde bucal a perda dentária causa danos à mastigação e consequentemente à nutrição do indivíduo e muitas vezes, também ocorrem danos psicológicos pelas dificuldades no convívio social.

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