
A principal inovação na legislação sobre
aborto é que uma gestante poderá interromper a gravidez até 12 semanas
de gestação, caso um médico ou psicólogo avalie que ela não tem
condições ‘para arcar com a maternidade’.
A intenção é a de que, para autorizar o
aborto, seja necessário um laudo médico ou uma avaliação psicológica
dentro de normas que serão regulamentadas pelo Conselho Federal de
Medicina. “A ideia não é permitir que o aborto seja feito por qualquer
razão arbitrária ou egoística”, afirmou Juliana Belloque, defensora
pública do Estado de São Paulo e integrante da comissão. No entanto,
abre tantas possibilidades que deve virar uma batalha política no
Congresso.
A comissão está preocupada em dar
guarida a mulheres em situações extremas, como adolescentes e mulheres
pobres com vários filhos. “A ideia não é vulgarizar a prática, é
disseminá-la de maneira não criteriosa”, disse Juliana, para quem o
aborto é uma questão de saúde pública – 1 milhão de mulheres realizam a
prática clandestinamente por ano no país.
O anteprojeto também garante às mulheres
que possam interromper uma gestação até os dois meses de um anencéfalo
ou de um feto que tenha graves e incuráveis anomalias para viver.
A aprovação da matéria foi até
tranquila, uma vez que apenas um pequeno grupo de entidades religiosas
estava presente à sessão. O grupo, com cartazes contrários ao aborto,
chamaram os juristas de ‘assassinos’ tão logo foram aprovadas as
mudanças. Mas em seguida se retiraram da comissão.
O texto final deverá ser entregue ao
presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), em maio, após uma revisão
dos tipos penais já alterados e também a inclusão de novas condutas
criminalizadas, como o terrorismo.
“Não é um texto criminalizador”, afirmou
o procurador regional da República Luiz Carlos Gonçalves, relator da
matéria. Caberá a Sarney decidir o que fazer com as sugestões dos
juristas. Ele poderá enviar um projeto único para ser discutido nas
comissões do Senado.
Diferentes opiniões
“Estamos diante de uma cultura que quer
legalizar o aborto a qualquer custo”, afirma Dóris Hipólito, da
Associação Nacional Mulheres para a Vida. Ela afirma que aprovar o
aborto quando há recomendação médica ou psicológica equivale a aprová-lo
em qualquer situação. “É fácil encontrar profissionais que recomendam o
aborto mesmo sem qualquer justificativa”, disse Dóris, que também
recorda a história de uma gestante que tinha sopro no coração e recebeu
recomendação para interromper a gestação.
“As avaliações sobre a condição
psicológica são ainda mais subjetivas”, afirma Dóris. “Atendemos dezenas
de gestantes em situação vulnerável. Falo por experiência: abortar não
soluciona nenhum problema. Só torna o drama ainda pior. Vi jovens que,
ao receberem o apoio adequado, reconstruíram suas vidas quando se
tornaram mães. O Estado deveria oferecer esse apoio”, afirma.
O obstetra Thomaz Gollop considera as
propostas um grande avanço. Ele participou, como médico, da audiência
pública para discutir as alterações nos artigos. “O abortamento inseguro
é a quarta causa de morte materna no país”, afirma Gollop.
Perdão e mudanças
O anteprojeto traz outras importantes
modificações para os crimes contra a vida e a honra. Entre elas, a
eutanásia – prática que atualmente é enquadrada como homicídio comum,
com penas que poderiam chegar a 20 anos de prisão – ganharia um tipo
penal próprio. Teria como pena máxima 4 anos de detenção. Sua
realização, entretanto, poderia ser perdoada caso fique comprovado por
dois médicos que o paciente, acometido de doença grave e com quadro
irreversível, esteja sendo mantido vivo artificialmente.
Os juristas também sugeriram alterações
para reduzir a idade mínima do crime de estupro presumido. A idade cairá
de 14 anos para 12 anos, atendendo ao previsto no Estatuto da Criança e
do Adolescente (ECA). A comissão ainda decidiu que não será mais crime
ser dono de casa de prostituição.
Para dar conta dos crimes de trânsito,
os integrantes da comissão sugeriram criar a figura da culpa gravíssima
no Código Penal. Por ela, quem for pego dirigindo embriagado ou
participando de racha em via pública poderá ser preso por até 8
anos. Nesse ponto, a comissão estuda avançar ainda mais. Estudam, por
exemplo, dar fé pública para um guarda de trânsito para atestar a
embriaguez de um condutor. Caberia nesse caso ao motorista atestar que
está sóbrio fazendo o teste do bafômetro.
Outra mudança sugerida pelo anteprojeto foi aumentar as penas para crimes como calúnia, injúria e difamação.
“Hoje, em termos de comissão, talvez nós
tenhamos aprovado as matérias penais mais polêmicas para a sociedade”,
afirmou o presidente da comissão, ministro do Superior Tribunal de
Justiça (STJ) Gilson Dipp.
Fonte: Estadão
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