sábado, 12 de março de 2011

Visões de um Éden precário

Márcio Seligmann-Silva - O Estado de S.Paulo

No premiado romance A Camareira, do jovem escritor alemão Markus Orths, Lynn Zapatek é uma figura delicada. No início do livro, ela acaba de sair de uma instituição psiquiátrica e procura um lugar no mundo. Filha única e com relacionamento difícil com a mãe, ela se depara com o vazio. O trabalho será seu meio de sobreviver a esse deserto afetivo.

Mas Lynn, como todos nós, tem suas carências. Ela quer ser amada e quer amar. Só não sabe bem como isso pode acontecer. Então trabalha mais: limpa cada centímetro quadrado dos quartos do hotel Eden. A limpeza torna-se seu absoluto e um modo de negar o mundo. Para Lynn, seu labor é seu triste e paradoxal Éden. Sua vida é arrumar camas, esfregar o chão, as janelas, as pias e os vasos sanitários, sem deixar de raspar a sujeira pesada usando as próprias unhas. Tudo consiste em transformar o sujo em limpo: nada mais simples. De mais concreto ela só tem um amante, um colega de trabalho que a utiliza como mero instrumento de gozo.

No entanto, Lynn descobre um outro modo de se aproximar das pessoas: ela passa a se esconder sob as camas dos hóspedes. Lá, passa noites inteiras, de calma excitação, quando enfim se sente "próxima" de alguém. Assim seu Éden fica mais colorido.

Mas não se trata tanto de uma história voyeurística: Lynn não vê quase nada, ela só escuta e imagina, ela anseia pela proximidade e se alimenta das migalhas das vidas dos hóspedes. Em uma ocasião, consegue o telefone de uma garota de programa que depois se torna a sua cliente. Será a relação mais quente que ela conhece.

Orths faz um retrato nada animador de nosso mundo. O quarto de hotel pode ser uma metáfora da ausência do lar, que permite a nós o sentimento de acolhimento. Lynn, sob as camas de seu hotel, pode ser interpretada como uma indicação de que regredimos a um estágio infantil, no qual medos e angústias nos dominam. A "loucura" de Lynn se espelha na precariedade de sua linguagem (os diálogos são monossilábicos no livro) e na sua incapacidade de relacionamento. De resto, o momento pouco convincente da história se dá quando Lynn é tomada pelo desejo de contar à esposa de um dos frequentadores do hotel que ela está sendo traída.

O forte do livro, porém, são as cenas sob a cama. Elas fazem com que pensemos também em nossa "era Facebook", marcada pela falsa intimidade com que convivemos cotidianamente com nossas dezenas ou centenas de "amigos".

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