quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Piratas na dianteira


Yuno Silva - repórter

A produção franco-belga "O Artista", indicada em dez categorias no Oscar 2012, ainda não foi lançada oficialmente no Brasil, mas uma cópia legendada com qualidade satisfatória já circula sem cerimônia nas bancas de Natal. Grande aposta da Academia para este ano, o filme só desembarca no país no próximo dia 10 de fevereiro. E ele não é o único concorrente ao maior prêmio da indústria cinematográfica à venda no comércio paralelo de DVDs 'genéricos': em cartaz nos cinemas da capital potiguar, "J. Edgar" com Leonardo DiCaprio e "Os Descendentes" com George Clooney também figuram entre as opções; da mesma forma "A Separação" (iraniano indicado ao Oscar de filme estrangeiro) ,"Cavalo de Guerra" e "Drive" - o segundo ainda não foi exibido nas telas natalenses e o terceiro só chega aqui dia 24.
Ana SilvaFilmes que ainda nem estrearam em Natal, e alguns no Brasil, como O Artista, Drive e A Separação já podem ser adquiridos no mercado pirata. 
Filmes que ainda nem estrearam em Natal, e alguns no Brasil, como O Artista, Drive e A Separação já podem ser adquiridos no mercado pirata.

Da lista dos 63 pré-indicados ao Oscar, pelo menos 45 estão disponíveis na internet, com legenda e tudo. Uma coisa é certa: se há procura, há demanda, e ela é intensa. E mais: a oferta é sortida e o produto (testado na hora!) está enquadrado em duas categorias distintas: cópia 'original' do DVD e cópia da internet, que nem sempre traz opções de se assistir o filme em versão dublada ou legendada, e geralmente a qualidade das imagens é sofrível. Os preços variam entre R$ 2 e R$ 5, e, por mais que se negue, a prática já está incorporada ao cotidiano. "Estou aqui prestando um serviço cultural ao democratizar o acesso a esses filmes", disse o camelô Henrique (nome fictício), 27, que há quatro vende os 'genéricos' na banquinha montada no centro de Natal. Contraditório emenda: "Sei que é proibido, que é pirataria, mas é uma maneira honesta de garantir o sustento."

A justificativa do vendedor é prontamente defendida pela dona de casa Joana dos Santos, de 39 anos, que procurava desenhos animados para os dois filhos. "Compro toda semana. Tem lugar que compro cinco (filmes) por dez (reais). Quanto custa um ingresso de cinema?", pergunta. Ela nunca foi ao cinema mas já viu mais filme que muito cinéfilo.

Independente de ser contravenção punida por lei específica, o mercado de filmes piratas é um fenômeno mundial difícil de ser controlado. Basta circular pelo centro da cidade, entre 18h e 19h, para conferir os lançamentos nas lonas estendidas nas calçadas. No Alecrim, nos pontos de ônibus de grande movimento ou nas calçadas em frente às agências bancárias da Av. Eng. Roberto Freire são outros pontos certeiros para se servir nas 'megas stores' temporárias de DVD pirata.

E nem mesmo o aviso gravado antes dos filmes dando conta de que esse tipo de produto danifica os equipamentos diminui o consumo. "Isso é um mito. Não há contato mecânico, a leitura é ótica, e a única diferença entre um DVD original e uma cópia é a qualidade da gravação e da mídia (do disco) em que o filme é gravado", garante Wanderley Grilo do Vale, técnico em eletrônica há 22 anos.

SOFISTICAÇÃO DA OFERTA

Vários fatores alimentam esse comércio, entre eles o valor dos ingressos dos cinemas, as poucas opções em cartaz, a popularização dos aparelhos DVD, a rapidez com que os filmes chegam às bancas e o catálogo diversificado de produções que não são exibidas na telinha nem nas telonas. Também é interessante perceber que as opções 'genéricas' transcenderam a reprodução de grandes sucessos de Hollywood e os populares filmes pornográficos: hoje há bancas especializadas que conseguem qualquer título, mesmo aqueles só lançados em VHS. O nível de sofisticação é tão grande que é possível comprar a coleção completa de Stanley Kubrick, Luis Buñuel ou Ingmar Bergman. Os filmes ainda disputam a preferência da clientela com novelas e séries completas, animações e DVDs de shows.

LOCADORA VIRTUAL PODE SER A SOLUÇÃO

Resolver o problema da maneira tradicional, fiscalizando e tentando coibir, está provado que não adianta e os distribuidores já queimam as pestanas para saber como contornar a situação. A potiguar radicada no Rio de Janeiro Isabelle Cabral, da Pipa Distribuidora, responsável pela circulação de filmes nacionais como a comédia "Elvis & Madona" e o documentário sobre a banda Novos Baianos "Filhos de João, O admirável mundo novo baiano", ambos já exibidos nos cinemas locais e encontráveis nos camelôs de Natal, acredita que uma das saídas seja a implantação de uma locadora virtual.

"Não tem como se proteger. Para termos uma ideia da dimensão dessa 'guerra' contra a pirataria, é só ver o esquema montado para lançar 'Tropa de Elite 2'. Só foram feitas cópias em 35 mm, armazenadas em um depósito guardado por seguranças armados", contou Isabelle, lembrando que o primeiro filme chegou antes nos camelôs antes de ser lançado nos cinemas. "Acredito que não foi uma jogada de marketing, mas, contraditoriamente, o episódio acabou sendo interpretado com esse viés." Segundo ela, o diretor José Padilha garante que o desempenho do primeiro Tropa de Elite nos cinemas teria sido melhor. "O recorde de bilheteria do TE2, que teve mais 12 milhões de espectadores, se deve muito a popularização do primeiro: quem assistiu TE1 em DVD pirata teve que ir ao cinema", analisa.

Isabelle Cabral contou que há várias formas de um filme 'vazar' antes de ser distribuído em DVD: "Às vezes o filme sai direto do laboratório onde está sendo feito, sem falar que muitos festivais pedem cópias em DVD para a seleção e sei que essas cópias acabam circulando ou mesmo são replicadas. Apesar de enviar junto um termo de compromisso, sei que é difícil controlar."

Se a proposta de uma locadora virtual realmente vingar, em um futuro próximo poderemos baixar ou mesmo assistir online (por streaming) filmes originais a preços competitivos. Talvez seja essa a melhor opção para resolver a proliferação dos 'genéricos' na esquina mais próxima. 

PROTO-LOCADORA JÁ OPERA NO BRASIL

Uma espécie de proto-locadora virtual já está em funcionamento no Brasil desde setembro de 2011, operada pela empresa Netflix (www.netflix.com). Criada em 1997, a empresa disponibiliza em torno de 17 mil títulos online que o cliente pode acessar pagando uma taxa mensal de R$ 15. Além de assistir ao catálogo virtual, a Netflix ainda empresta até quatro filmes em DVD por mês - entregues em casa via correio. Novos pedidos só serão atendidos quando o cliente devolver, também pelo correio, os DVDs emprestados anteriormente.

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