sábado, 29 de janeiro de 2011

Em mais um dia de protestos, Egito lança ofensiva política

Ex-ministro da aviação Ahmed Shafiq é confirmado como primeiro-ministro.
Estratégia do presidente é garantir apoio dos militares e evitar a renúncia.

Ao mesmo tempo em que os confrontos entre manifestantes egípcios e a polícia voltam a ganhar caráter violento, o governo do Egito lança ofensiva política. O ex-ministro da Aviação Civil, Ahmad Shafic, foi confirmado pelo governo como primeiro-ministro. Shafic, que é um ex-comandante da Força Aérea, será o resposável por formar o novo gabinete de ministros, que foi dissolvido neste sábado (29), em consequência às ações dos opositores ao atual governo do presidente Hosni Mubarak .
Veja as imagens dos protestos no Egito
Depois da oficialização da estratégia anunciada nesta sexta-feira, o presidente egípcio, que não escolheu um vice-presidente desde sua posse em 1981, nomeou o seu chefe de inteligência e confidente Omar Suleiman, para o cargo. Dessa forma, o presidente garante aliados militares no novo governo a ser formado.
Hosni Mubarak recusa-se a deixar a presidência, apesar da pressão da população. Como reforço à posição de Mubarak, o Parlamento egípcio anunciou neste sábado que não tem planos para antecipar as eleições.
Também hoje, o presidente mandou soldados e tanques para a capital Cairo e para outras cidades. O envio de tropas do exército para ajudar a polícia mostrou que Mubarak ainda tem o apoio dos militares, a força mais poderosa do país. Porém, qualquer mudança de opinião dos generais poderá selar o seu destino.
Líder espiritual muçulmano defende renúncia
A tensão pode aumentar ainda mais com as declarações do xeque Yusef Al Qardaui a favor da renúncia do presidente Hosni Mubarak. O egípcio Yusef Al Qardaui é considerado o pregador mais influente do mundo árabe. Em entrevista à televisão Al Jazeera, o líder afirmou que a renúncia poderia resolver a crise no Egito.
"Mubarak, tenha misericórdia sobre essas pessoas e fuja antes que a destruição se estenda no Egito", afirmou o teólogo sunita que lidera a União Mundial de Sábios Muçulmanos e é um dos líderes espirituais da Irmandade Muçulmana no mundo.
Manifestante sobe em tanque de guerra em protesto no EgitoManifestante sobe em tanque de guerra em protesto no Egito (Foto: Ben Curtis/AP)
Número de mortes aumenta
A agência de notícias Reuters apurou com fontes médicas, hospitais e testemunhas que pelo menos 74 pessoas foram mortas em protestos em todo o Egito. Ainda não há dados oficiais. Segundo o levantamento, 68 mortes foram registradas nas cidades do Cairo, Alexandria e Suez durante os protestos de sexta-feira.
Entre os conflitos mais intensos deste sábado está a tentativa de invasão ao prédio do Ministério do Interior, quando pelo menos três pessoas foram mortas pela polícia. Antes disso, fontes de segurança disseram à Reuters que pelo menos seis pessoas, incluindo um policial, havia sido mortas.
Neste sábado, fontes médicas disseram à agência que cerca de 2 mil pessoas ficaram feridas em todo o país, porém com mais protestos em movimento, esse número pode aumentar. Pelo menos trinta corpos foram levados para o hospital de El Damardash no centro do Cairo nesta sexta-feira.A Associated Press apurou que o total de mortes desde o início das manifestações, que começaram nesta semana, já soma 35 pessoas, o que inclui 10 policiais.
Manifestantes egípcios atacaram também neste sábado um prédio na sede da Segurança de Estado da cidade de Rafah. Pelo menos três policiais morreram com a explosão. A cidade, localizada na Faixa de Gaza, fica na fronteira com o Sinai, no Egito.
A explosão aconteceu após manifestantes beduínos lançarem granadas contra o prédio, durante confrontos com a polícia. Os policiais reagiram com tiros durante o protesto. O edifício está localizado perto da fronteira de Rafah e, de acordo com testemunhas, está a ponto de desabar.
Por causa da violência, o governo de Israel decidiu repatriou as famílias dos funcionários da legação diplomática no Cairo e outros israelenses que estavam na cidade.
Toque de recolher
O toque de recolher nas três principais cidades egípcias Cairo, Alexandria e Suez foi prorrogado por mais um dia. A medida foi anunciada neste sábado pelo governo por meio da televisão estatal egípcia. De acordo com a declaração, quem não respeitar a medida estará exposto às ações de repressão da polícia e poderá sofrer "sanções legais". A polícia tenta reprimir os manifestantes desde terça-feira (25).

Um comunicado militar pediu que o “grande povo do Egito” respeite o toque de recolher, que começará duas horas mais cedo, a partir das 16h (horário local), e será encerrado uma hora mais tarde, às 8h do dia seguinte. Nesta sexta-feira, a ordem não  não foi respeitada. As forças armadas também pedem à população que se protejam de saqueadores.
Oficial do exército se junta a manifestantes na praça Tahrir, durante protesto no Cairo 
Oficial do exército se junta a manifestantes na praça Tahrir, no Cairo (Foto: Yannis Behrakis/Reuters)
A TV estatal também divulgou a manifestação do clérigo islâmico, dizendo que o derramamento de sangue por muçulmanos é proibido por lei religiosa.
Neste sábado, tanques foram posicionados nas vias que levam à praça Tahrir, no Cairo, que estava cheia de entulho, pneus e madeira queimados, usados como barricadas durante a noite.
Ataque ao Ministério do Interior
A polícia abriu fogo contra cerca de 1 mil manifestantes egípcios que tentavam invadir o Ministério do Interior, no Cairo, neste sábado. A reação teria acontecido após um grupo de pessoas atirar contra o prédio e só parou quando tanques de guerra foram enviados ao local.
Na ação, a polícia teria matado pelo menos três manifestantes, de acordo com a rede de televisão Al Jazeera.
Também no Cairo,  tanques do exército egípcio e tiros disparados no ar foram usados para controlar pessoas que tentavam atacar a entrada do prédio do Banco Central, onde é impresso o papel moeda. Os manifestantes usavam pedaços de madeira e desistiram da abordagem depois de ouvir os tiros.
Ministros renunciaram
A televisão estatal egípcia afirmou neste sábado (29) que o gabinete de ministros do Egito anunciou oficialmente a renúncia após dias de protestos da população contra o governo de Hosni Mubarak.
Porém, o anúncio não será suficiente para conter a onda de protestos no país. Mais cedo, antes da declaração oficial, o líder opositor Mohamed ElBaradei, afirmou que Hosni Mubarak terá de sair. Segundo ele, o discurso do presidente foi "praticamente um insulto à inteligência das pessoas." El Baradei, chefe da Assembleia Nacional para a Mudança, chegou na última quinta-feira (27) ao Cairo.
Em um pronunciamento televisionado nesta sexta-feira, Mubarak havia afirmado que um novo governo seria formado neste sábado, além de prometer reformas, após quatro dias de vigorosos protestos em todo o país exigindo sua saída.
Protestos continuamMilhares de manifestantes se concentram neste sábado na principal praça de Alexandria, no centro da cidade, e dizem que não vão embora enquanto Mubarak não anunciar a renúncia. Eles entraram em conflito com a poícia da cidade. De acordo com testeminha, houve tiros.
Pelo menos 30 pessoas morreram no conflito entre manifestantes e policiais 
Pelo menos 30 pessoas morreram no conflito entre manifestantes e policiais (Foto: MARCO LONGARI/AFP)
A capital o Egito, Cairo, também amanheceu repleta de manifestantes nas ruas. Nesta manhã, no Cairo, um supermercado foi saqueado em um subúrbio da cidade, onde vive uma grande comunidade de estrangeiros. O supermercado, de uma empresa francesa, fica dentro de um shopping. Na noite de sexta-feira, também houve diversos saques em vários bairros do Cairo.
Os protestos não foram interrompidos durante a madrugada, quando a população quebrou o toque de recolher. A noite foi iluminada por prédios e carros em chamas.O toque de recolher foi imposto pelas Forças Armadas em uma tentativa de acabar com as manifestações que assolam o país pedindo o fim do regime de Mubarak. Os infratores estariam sujeitos a "procedimentos legais ".
Os conflitos mais intensos entre população e forças de segurança aconteceram na cidade de Ismailia, onde a polícia tentou controlar a população com gás lacrimogênio e balas de borracha.
Bancos
Em meio aos protestos, o Banco Central do Egito afirmou que os bancos do país ficarão fechados neste domingo. De acordo com Hisham Ramez, a medida visa evitar que a população, assustada com as manifestações, retire suas economias dos bancos. Segundo o representante do Banco Central, todas as contas estão seguras e a reserva do país é forte. "Qualquer fuga de capital por investidor estrangeiro será de curta duração", afirmou Ramez neste sábado à Reuters.
Telefonia móvel é parcialmente restaurada
O serviço de telefonia móvel foi parcialmente restaurado no Egito na manhã deste sábado. O serviço, assim como o acesso à internet, foi interrompido na tentativa de impedir as manifestações hostis ao regime.
Internet e telefones móveis desempenharam um papel fundamental na organização de manifestações contra o regime de Hosni Mubarak, liderados por jovens pró-democracia. Eles se inspiraram na Revolução dos Jasmins, que em 14 de janeiro, derrubaram o ditador Zine El Abidine Ben Ali.
Mas, em comunicado, a empresa britânica Vodafone confirmou ter recebido a ordem de suspender os serviços de telefonia celular.
O Departamento de Estado dos EUA pediu que o país garanta o acesso às comunicações e respeite direitos inidividuais durante os protestos.
Um dos maiores provedores da rede no país, o Seabone, baseado na Itália, informou que não havia transmissão de dados para dentro ou fora do Egito desde 0h30 no horário local (20h30 de quinta-feira de Brasília), segundo a Associated Press.
Venezuela
Na Venezuela, manifestantes se concentram em frente à embaixada do Egito, para apoiar o movimento contra o governo de Hosni Mubarak.
Pronunciamento
No primeiro pronunciamento desde o início dos protestos em massa no país, o presidente do Egito, Hosni Mubarak, disse que está comprometido com reformas políticas e econômicas e anunciou que demitirá todos os ministros e que agirá para apresentar um novo gabinete ainda neste sábado (29).
"Pedi ao governo para apresentar sua renúncia hoje", afirmou ele em discurso na televisão estatal.
Durante a fala, transmitida em cadeia de TV pouco depois da meia-noite local (20h de Brasília), Mubarak no entanto disse que a população deve estar ciente dos exemplos de instabilidade em outros países e que os problemas enfrentados no Egito "não podem ser tratados por meio da violência e do caos". O presidente classificou os protestos como  "parte de um grande plano para desestabilizar e destruir a legitimidade" do sistema político.
O presidente egípcio, Hosni Mubarak, durante a transmissão do seu discurso em cadeia nacional 
O presidente egípcio, Hosni Mubarak, durante a transmissão do seu discurso em cadeia nacional (Foto: Reuters)
Ao menos 870 manifestantes ficaram feridos nesta sexta-feira, alguns deles a bala, muitos em estado grave. Cerca de 420 estavam hospitalizados.
Mapa do Egito mostra as cidades em que ocorreram os principais protestos 
Mapa do Egito mostra as cidades em que ocorreram os
principais protestos (Foto: Arte G1)
A sede do Partido Democrático Nacional, de Mubarak, estava em chamas, segundo imagens mostradas ao vivo pela TV Al Jazeera. Outros prédios também teriam sido incendiados. Manifestantes atacaram a sede da TV estatal, também segundo a Al Jazeera.
Hamada Labib el-Sayed, um motorista de 30 anos, foi baleado na cabeça quando a polícia tentava dispersar milhares de manifestantes que atacaram delegacia de Suez e morreu. Em represália, os manifestantes incendiaram oito carros da polícia.
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O opositor Mohamed ElBaradei durante protestos nesta sexta-feira (28) no Cairo 
O opositor Mohamed ElBaradei durante protestos
nesta sexta-feira (28) no Cairo (Foto: AP)
ElBaradei
Os milhares de manifestantes pressionam pela renúncia de Mubarak, há 30 anos no poder.
O opositor Mohamed ElBaradei, que recém retornou ao país e se ofereceu a conduzir uma suposta transição de governo, estaria sob prisão domiciliar, segundo a CNN. Ainda não havia confirmação oficial.
ElBaradei participou durante o dia de uma oração com 2.000 pessoas numa mesquita de Guiza, na capital.
A polícia cercou o local. A rede de TV Al Jazeera chegou a relatar que ele havia sido preso, mas depois desmentiu. Segundo a TV, ele teria sido apenas impedido de deixar o local.
Depois, ele e seu grupo se uniram aos protestos, em uma marcha pacífica pela cidade, segundo testemunhas.
Pedido de reformas
O presidente da Comissão de Relações Exteriores da Assembleia, também membro do governista Partido Nacional Democrata no poder, pediu ao presidente egípcio Hosni Mubarak "reformas sem precedentes" para evitar uma revolução no Egito.
"Em nenhuma parte do mundo a segurança é capaz de pôr fim à revolução", afirmou Mostapha al Fekki, à TV Al Jazeera. "O presidente é a única pessoa que pode pôr fim a esses acontecimentos", disse, para depois pedir "reformas sem precedentes".



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