sábado, 12 de fevereiro de 2011

Revolta popular vence a ditadura

Cairo (AE) - A população egípcia comemorou ontem a queda do presidente Hosni Mubarak com fogos de artifício na praça Tahrir no Cairo, após o vice-presidente do Egito, Omar Suleiman, ter anunciado a renúncia do mandatário na televisão estatal. A renúncia foi confirmada mais tarde pelo comandante da Força Aérea do Egito, Reda Mahamoud Hafez Mohamed. Ele disse que as Forças Armadas anunciarão em breve planos e medidas para que sejam introduzidas as mudanças democráticas desejadas pela população. O anúncio de Suleiman na televisão estatal foi curto: “Ele (Mubarak) renunciou do direito à presidência e o alto comando do Exército está tomando o controle do país”.

As multidões no Cairo, na cidade mediterrânea de Alexandria, em Ismaília e em outros lugares no país irromperam em festa nas ruas, levando bandeiras do Egito e comemorando o fim do regime de Mubarak, que governava desde 14 de outubro de 1981. Os protestos começaram em 25 de janeiro e deixaram cerca de 300 mortos.

O sucesso da maior revolta popular já vista no mundo árabe terá profundas implicações para a região, Israel, os Estados Unidos e o Ocidente.

O principal integrante da nova junta militar egípcia, o ministro da Defesa Mohammed Hussein Tantawi, passava de carro na tarde de ontem pela multidão aglomerada diante do palácio presidencial egípcio quando parou e desceu para agradecer o apoio popular, antes de seguir seu caminho.

Tantawi lidera o Conselho Supremo das Forças Armadas, uma junta militar que assumiu o controle do país depois de o vice-presidente Suleiman anunciar a renúncia de Mubarak.

Algumas pessoas na multidão reconheceram Tantawi quando ele passava pelo local em um carro com escolta. Quando as pessoas se aproximaram de veículo, Tantawi desceu para agradecer ao povo que protestou durante os últimos 18 dias e que hoje celebrava a renúncia de Mubarak. A oposição popular a Mubarak estava aparentemente satisfeita durante a sexta-feira histórica, depois de ter ouvido promessas dos militares sobre a implementação de um programa de reformas que resultaria na realização de eleições justas e livres no país.

“Ganhamos nossas vidas de volta”, celebrou nesta sexta-feira o Prêmio Nobel da Paz Mohamed ElBaradei, destacado opositor de Hosni Mubarak no Egito. Por sua vez, a Irmandade Muçulmana, oficialmente banida há décadas pelo governo egípcio, saudou o exército pela saída de Mubarak.

“Minha mensagem ao povo egípcio é que sua liberdade foi reconquistada”, declarou ElBaradei à emissora pan-árabe de televisão Al-Jazira. “Façamos dessa liberdade o melhor uso que pudermos e que Deus nos abençoe”, prosseguiu. No Cairo, a Irmandade Muçulmana celebrou a renúncia de Mubarak e agradeceu à cúpula do exército, “que manteve suas promessas”.

Um porta-voz do governista Partido Nacional Democrático afirmou que Mubarak havia deixado a capital e estava em Sharm el-Sheikh, um balneário no Mar Vermelho. Na quinta-feira, Mubarak havia dito em discurso que se recusava a renunciar, porém já havia transferido parte de seus poderes para Suleiman. As eleições presidenciais egípcias estão marcadas para setembro.

Fórum Social defende avanços no Oriente Médio

Dacar (AE) - A renúncia do presidente Hosni Mubarak no Egito foi recebida com euforia pelos militantes de esquerda reunidos em Dacar por ocasião do 11º Fórum Social Mundial. Intelectuais e ativistas exortaram os Estados Unidos e a Europa a não intervirem no curso do país rumo à democracia, mesmo que as futuras eleições venham a ser vencidas pelo movimento Irmandade Muçulmana.

”É uma batalha significativa vencida pelo povo egípcio. Mas Mubarak não é o regime, é o seu símbolo”, afirmou o egípcio Mamdouh Abajhi, vice-presidente do fórum na África, que define o movimento como “anti-imperialista. “É só o primeiro passo de um longo caminho.”

Mesmo antes da queda do ditador, ativistas como Abajhi e intelectuais como Samir Amin, economista egípcio e um dos líderes do movimento altermundialista, já denunciavam a tentativa do Ocidente de conduzir o Egito durante a transição, mantendo seu alinhamento na política externa aos Estados Unidos. “O objetivo dos manifestantes é mudar o sistema. Não é apenas alcançar uma democracia que ponha fim à ditadura da polícia”, advertiu Amin.

Segundo o economista, os egípcios lutam pelo direito de transformar a realidade econômica e social do Estado. Além disso, desejam o reconhecimento do direito do Egito, como Estado, de conduzir sua política internacional de maneira independente ao Ocidente. “O Egito deve sair desse alinhamento automático e incondicional à hegemonia dos Estados Unidos, que inclui a obrigação de tolerar a continuidade da colonização por Israel do Estado palestino”, pregou Amin.

Além de saudar as mobilizações populares na Tunísia e no Egito, o fórum social anunciou uma mobilização em defesa da criação do Estado Palestino, a ser realizada em maio.

Mundo aplaude renúncia do ditador

Washington (AE) - O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, disse ontem que a renúncia de Hosni Mubarak marca o início de um novo capítulo na história do país, que ele considera difícil, porém mais democrática. Obama comentou a queda de Mubarak mais de quatro horas depois do anúncio, feito pelo vice-presidente Omar Suleiman, no Cairo. “O dia de hoje pertence ao povo do Egito”, afirmou Obama em breve comunicado.

hussein malla/aeJá era noite quando os manifestantes voltaram à Praça Tahrir, no centro do Cairo, para comemorar o fim do governo de quase trinta anos, do presidente Hosnir MubarakJá era noite quando os manifestantes voltaram à Praça Tahrir, no centro do Cairo, para comemorar o fim do governo de quase trinta anos, do presidente Hosnir Mubarak
O Egito tem 80 milhões de habitantes. Sua política influencia não só o mundo árabe (a sede da Liga Árabe é no Cairo) como também a África. Só Nigéria e Etiópia, no continente africano, são países com populações tão grandes e influências regionais de vulto. África do Sul tem hegemonia na parte austral do continente.

Vice de Sadat, Mubarak estava ao lado do presidente egípcio em 6 de outubro de 1981, minutos antes de um soldado islamita esvaziar o pente da sua metralhadora no palco onde estavam as autoridades durante um desfile militar. Mubarak escapou e virou presidente. Mubarak assumiu formalmente a presidência em 14 de outubro, com o país e o mundo árabe ainda em choque após a morte de Sadat.

Nascido em 1928, Mubarak estudou na Academia Militar Egípcia, montada pelos britânicos no Cairo - uma das poucas chances de carreira para egípcios pobres na época, seguindo os passos de outros colegas nacionalistas, como Gamal Abdel Nasser e o próprio Anwar el-Sadat. Um dos primeiros pilotos do país, Mubarak entrou para a recém-formada Força Aérea Egípcia em 1949, logo após o trauma árabe da Independência de Israel e da guerra de 1947-1948. Ele virou instrutor na Academia da Força Aérea nos anos 1950, e mais tarde, quando o Egito entrou para a órbita da União Soviética, recebeu treinamento para pilotar caças Ilyushin e o bombardeiro Tupolev 16 em Bishkek, hoje na república do Quirguistão, que na época fazia parte da URSS. Uma matéria recente da ABC News indicou que parte da fortuna da família Mubarak começou a ser formada naquela época, quando como comandante da Força Aérea, ele era intermediário de contratos vantajosos com fornecedores de peças e armamentos para aviões militares. A ABC estimou a fortuna da família Mubarak entre US$ 40 bilhões e US$ 70 bilhões.

A escalada de Mubarak para o círculo restrito de poder no Egito ocorreu em 1975, quando seu ex-colega de armas Sadat, então presidente (Nasser morreu em 1970 de ataque cardíaco, amargurado pela derrota de 1967 para Israel), o nomeou vice-presidente. Mubarak teve um papel importante em implementar as políticas de Sadat, que após a derrota de 1973 para Israel na guerra do Yom Kippur eram de distensão com o Estado judaico e afastamento da União Soviética, ao mesmo tempo que o Egito se aproximava dos Estados Unidos.

O momento de Mubarak chegou em 6 de outubro de 1981, quando ele escapou do ataque dos oficiais islamitas descontentes com o acordo de paz com Israel. Nomeado presidente pelo partido único do país, o Nacional Democrático, Mubarak passou a governar com uma política que externamente foi pautada pela paz com Israel.

Murarak sobreviveu a seis atentados

O ex-presidente egípcio Hosnir Mubarak sobreviveu a seis tentativas de assassinato. A mais grave delas aconteceu em 1995, quando ele visitava Adis-Abeba, capital da Etiópia, onde assistiria a uma reunião de cúpula da União Africana (UA). Ele foi salvo quando o serviço secreto egípcio trocou o carro onde o presidente iria do aeroporto à sede da UA. O carro onde a Jihad Islâmica Egípcia pensava que estava Mubarak foi totalmente destruído por um disparo de foguete. Quando voltou ao Cairo, Mubarak ordenou a detenção de mais de 15 mil islamitas.

Na década de 2000, Mubarak foi um sólido aliado das políticas de George W. Bush. Ele apoiou a invasão do Iraque em 2003, que derrubou seu ex-colega nacionalista árabe Saddam Hussein (morto em 2006); ordenou várias vezes o fechamento da fronteira do Egito com a Faixa de Gaza após o Hamas tomar o controle do território palestino em 2007; sugeriu, em um telegrama diplomático vazado recentemente pelo WikiLeaks, que os Estados Unidos ou Israel bombardeassem o Irã, antes que o regime iraniano construísse sua bomba atômica e ameaçasse o mundo. Com sua fortuna, poderá partir para um exílio dourado. Ou morrer na terra do Nilo, como manifestou no seu discurso da noite da quinta-feira.

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